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Das Calungas de cara dura aos bebês reborns ultra realistas

Por Belarmino Mariano*

Confesso que estava evitando escrever sobre as brincadeiras de crianças que geram muito lucro e cristalização mental de valores ultra capitalistas na garotada e nos futuros adultos.

Li um pequeno artigo sobre essa febre das mães reborns que estavam ultraando as fronteiras da sanidade mental, diante de modelos sintéticos de bebês tão perfeitos que as Suzy, Barbie princesas, e outras bonecas estavam ficando no chinelo.

Parece um debate bobo, uma quest sem sentido ou mesmo a falta do que fazer. Mas essas leituras me fizeram despertar alguns gatilhos de pai de menino e meninas. Como criamos nossos filhos, o que lhes oferecemos de consumo cultural e de experiências materiais e emocionais para a vida?

Pensamento, Sentimento e Vontade. Esse Trivium sempre orientou a minha vida intelectual e profissional. Entre a realidade racional, a razão pura e simples, o mundo factual e a dureza da vida, dos de origem muito pobre como eu. Sentimentos e emoções eram contidos e sou daqueles que ouviu a forte frase: ” engula o choro!” “Escreveu não leu, o pau comeu!” “Cara feia pra mim é manha!” As vontades ou desejos eram pura especulação fantasiosa e tinhamos consciência do impossível.

Brinquei muito com pedrinhas, como se fossem gado, fazia currais com gravetos em baixo de um pé de jatobá. Minhas irmãs brincavam com bonecas de pano que a nossa mãe fazia, ou comprava na feira livre de Itapetim/PE. Vim provar um picolé as 8 anos de idade e assistia TV na casa de uma vizinha.

Quando migramos para a cidade, as vezes minhas irmãs ganhavam calungas (bonecas de plástico, duras e sem articulação). Depois estas bonecas evoluíram e mexiam as pernas, braços e pescoço. As mais modernas tinham um furo nas costas e tinham uma caixinha que liberava ruídos como choro, se a gente balançava a boneca, ela parecia falar.

Os meninos faziam carrinhos com latas de óleo e rodas com sandálias velhas. Brincávamos com as bonecas de nossas irmãs e elas brincavam com nossos carrinhos, bolas de gude, de futebol, piões e outros brinquedos.

Ficávamos na rua até nossa mãe gritar, “já pra dentro”. Enquanto ela não nos obrigava, a gente brincava de barra bandeira, garrafão, tubarão, esconde-esconde, maçã, pera ou salada mista e de rodas e cantigas.

Com terra e sujeira até nas bolas dos olhos, uma vez por semana nossa mãe nos pegava para um banho com sabão, caco de telha e bucha biológica. A gente tinha uma mãe de reborn raíz.

Minhas filhas já foram da geração Barbie, as bonecas sintéticas estilo modelos de arelas, filmes de Hollywood e revistas de moda. Brancas, magrelas, cabelos loiros e lisos. Marcas caras e sensação para a garotada em todos os lugares do mundo.

Até chegarmos as bonecas bebê reborns, em réplicas perfeitasve realistas. Material sintético flexível como silicone, mas tão realistas que a gente até confunde, quando se depara com um bebê desses.

Quem já brincou com uma calunga de cara dura, que não mexia nada, de um plástico grosso, ao entrar em contato com um bebê reborn, se choca. Mas uma das coisas que preocupa é sabermos que essas bonecas em preços mais baratos, podem custar cerca de 500 reais, podendo ultraar 15 mil e existem exemplos de reborns que ultraan 30 mil reais.

Mas esse não é um problema, pois estamos em um mundo capitalista extremamente selvagem e desigual. As pessoas e o mercado na sociedade de consumo, criaram através das redes sociais e das big techs as condições para esse mundo em que a fantasia e as ilusões, valem mais do que a vida real.

A outra quest é sabermos se as nossas crianças estão brincando com essas coisas caras de mais. Uma amiga me contou que comprou uma reborn para sua filha. “Vi uma promoção de 500 reais, dividido em 10 vezes e dei de presente para minha filha de 10 anos. Foi um mino caro, mas é filha única e muito estudiosa, então foi por merecimento” (J. M. S., 37 anos).

Essa semana me disse que sua garota até brinca com sua “Jully”, mas quando ela descuida do celular ou do tablet, sua filha, logo esquece sua bebê reborn. Aparelhos eletrônicos, celulares, jogos eletrônicos, redes sociais ou excesso de telas são outros problemas caros e viciantes.

Não gostaria de entrar na seara psicológica ou psiquiátrica dos famosos e hiperrealistas bebês reborns. Mas a tal “febre reborn”, ultraou ou limites da criançada e chegou ao universo adulto de mães e filhos, que estão alimentando um apego emocional tão forte que a realidade está se perdendo entre filhos de verdade e bonecos sintéticos.

Claro que o mercado se aproveita e oferece todos os tipos de estímulos à loucura consumista, criando roupas, calçados, indumentárias, alimentação e até medicamentos fantasiosos. Mas alguns proprietários ou mães e pais de reborns estão levando a brincadeira muito a sério.

Que mundo louco esse, ao ponto de políticos estarem discutindo leis sobre o assunto, enquanto psicólogos, psiquiatras discutem a saúde mental e os vazios emocionais e traumas humanos. Por outro lado, profissionais da área de saúde usam esses reborns, enquanto manequins na área de pediatria.

Enquanto pais gastam seus salários em bets golpistas manipulados por programas de computador, algoritmo e Inteligência Artificial, outras pessoas tentam preencher seus vazios através de bebês sintéticos ultra realistas.

*Por Belarmino Mariano. Imagens do autor e das redes sociais.

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